Sidney Rezende. Foto: Nicolas Renato Photography

Sidney Rezende

Jornalista, diretor do SRzd e um dos profissionais mais inovadores do país.

Fidel Castro: Deus e o Diabo na Terra do Sol

Temos aqui, e agora, um ilustrativo exemplo de conflito entre teoria e prática. Sei que é muito difícil analisar a biografia política de Fidel Castro com isenção. É complicado até para um profissional. Fidel desperta paixões radicais. Queiramos ou não foi um revolucionário do início ao fim da vida. Foi “chefe”, mas entra para a história, líder.

A dificuldade de entender sua trajetória se dá pela análise de dois polos equidistantes e que deveriam se encontrar: teoria e prática. A esquerda, principalmente a latino-americana, sempre sonhou com uma sociedade mais justa, socialista e igualitária. Alguns queriam mais, comunista. Os conservadores e reacionários preferiam que tudo ficasse como estava e que seus privilégios não fossem mexidos.

A esquerda lutou por uma sociedade onde o capital não valesse mais do que o ser humano e nem ditasse as regras do jogo. Fidel, Che Guevara e outros jovens se empenharam na realização de uma profunda experiência revolucionária em Cuba. E trabalharam um certo tempo, intensamente, para que este “modelo” fosse implantado nos demais países do nosso continente. Che morreu por esta causa na Bolívia.

A história poderia ter sido diferente se os Estados Unidos não se movimentassem sob o espírito da guerra fria da época. Estamos falando do final da década de 50 e início dos primeiros anos de 60. Os Estados Unidos e Cuba não se entenderam após a vitória castrista sobre o governo corrupto de Fulgêncio Batista. Os americanos empurraram Cuba para longe, tão longe, que acabou caindo numa armadilha esdrúxula da antiga União Soviética.

A teoria de um governo nacionalista foi se transformando numa realidade contraditória, que persiste até hoje. Cuba tem resultados extraordinários em educação, saúde e medicina. O seu povo ostenta alto índice de escolaridade e politização. No entanto, a falta de liberdade, a presença sufocante do estado, a presença próxima de “vigias” da vida alheia em cada bairro, a carência de bens e a pobreza são desafios daquela sociedade.

Vários presidentes americanos concluíram seus mandatos perseguindo Cuba e prestando subserviência aos anticastristas de Miami. Não foi dada uma chance de criar uma ponte para um convívio diplomático, político, comercial e cultural que possibilitasse libertar o povo do sofrimento diante de suas carências. Para os Estados Unidos é sempre bom ter vizinhos amigáveis.

O único que, concretamente, foi em direção oposta aos demais ocupantes da Casa Branca foi o democrata Barack Obama. Ao custo de uma oposição ferrenha dos conservadores republicanos que agora estão de volta com o que há de mais atrasado sob a batuta do presidente eleito Donald Trump.

Mesmo fora do poder, idoso, Fidel Castro, passou por todas estas pressões. Um dos líderes mais longevos da história e, também, um dos mais astutos e preparados para encarar estas situações. Diria minha mãe: “Ele nasceu para isso!”. Político profissional.

Se Fidel Castro, que ora sai de cena para a eternidade aos 90 anos de idade, viveu o drama da tentativa de constituir um governo livre, as paixões se acirram ao analisar seus erros e acertos. Os que foram desalojados dos seus postos sociais após a chegada da Revolução de 59, não deixarão nunca de lutar para reaver o que lhes foi subtraído. Tanto eles, como seus descendentes. E isto não acaba nem com a morte de Fidel.

Aos que o Fidel determinou “paredão” ao identificá-los como contrarrevolucionários fica o ódio dos parentes dos assassinados. E eles também não deixarão Raul Castro, o presidente atual e irmão de Fidel, em paz. Sob este aspecto a herança política de Fidel Castro está garantida.

Não se está dizendo que Cuba não mudará sem Fidel. Sim, Cuba mudará. Assim como a Venezuela mudou após a morte de Hugo Chávez; a China, após Mao Tse Tung; o Brasil, após Lula. A roda da história não perdoa. Pensa-se que poder é posse, e não é. É aluguel.

Assim como a memória de tudo o que fez, Fidel Castro permanecerá entre nós. Embora a visão sobre ele mudará conforme as futuras gerações reunirem mais elementos que hoje nos são negados.

Não sabemos em quanto tempo responderemos se ele teve razão ao afirmar sua frase legendária: “A história me absolverá!”.

A resposta definitiva a este enigma só poderá ser dada sem paixões radicais, só quando recuperarmos a isenção. Neste dia da morte do líder cubano talvez possamos avançar até o limite de um rótulo: Fidel Castro, Deus e o Diabo na Terra do Sol.

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