Carnaval de Rua: É preciso repensar o modelo

O carnaval de rua carioca vive um momento decisivo quanto ao seu rumo. Depois de oito anos de ajustes sob o governo Paes, começará a convivência com o novo prefeito, Crivela, cujos planos são desconhecidos. É bom que ele entre com uma festa consolidada, presente em toda a cidade e, ainda que com diferentes estágios – iniciativas de organização por meio de ligas e associações que permitem uma melhor interlocução com os mais de 500 blocos e seus mais de 600 desfiles.

Eventos como o Desenrolando a Serpentina, realizado no último fim de semana evidenciam que a cidade já superou a ladainha do “como cresceu nos últimos anos….”. Fato que, na realidade, só pegou de surpresa quem vive alheio ao cotidiano de sua própria cidade e aguarda os chamados formadores de opinião falarem sobre algum tema para, então, deixarem a ficha cair. Quem está na rua e acompanha esse movimento paulatino já se preocupa com outra etapa, que é a do novo modelo que se forja com distintos perfis de grupos na ocupação das ruas.

Desde os tradicionais, que seguem arrastando milhares de pessoas (embora menos do que antes), aos micro, com meia dúzia de instrumentos e músicos descolados. Alguns saindo no meio da madrugada, ali pelas três, quatro da manhã. Afinal, é carnaval! Mas também com espaço para os mega, como o tradicionalíssimo Bola Preta ou os comercialíssimos Bloco da Preta e, agora o da Anita.

São diferentes modelos, diferentes concepções, diferentes públicos. Nas ruas há espaço para todos. Estamos na fase da acomodação. Provavelmente esses “comerciais” não chegarão aos quase cem anos do Bola. Aos cinquenta da Banda de Ipanema ou aos mais de trinta do Simpatia, do Suvaco ou do De Segunda. Há pouco tempo tinha um de sertanejo que já sumiu e assim será com muitos outros.

Mas uma questão relativa à concepção do carnaval que temos e o que teremos está relacionada ao impacto que cada um tem para a cidade, como contribuem com sua cultura, a quem representam? O Cacique de Ramos foi gigantesco, o Bafo da Onça também. Seus desfiles mexiam com paixões. Deixaram de ser atrações, mas são referências históricas. Os novos gigantes têm a mesma dimensão?

A cidade acolhe e entende sua principal festa de formas diversas. A população majoritariamente festeja. Mesmo os não foliões entendem a espécie de “período especial”. Compreendem que têm suas rotinas alteradas, mas que logo passa. Uma ínfima parcela preferia estar na Noruega, mas já que não tem grana, reclama um pouquinho aqui ou ali e pronto.

Já o setor público é claudicante. Por um lado discursa com apoio a um evento democrático e plural. Por outro, trata a cidade como um feudo. Um balcão privado para negócios. Cede o espaço público a uma única empresa e, dessa forma, ajuda a asfixiar financeiramente os mesmos blocos que fazem a festa. Ou seja, vai matando a galinha dos ovos de ouro.

Blocos grandes não conseguem recursos suficientes para os desfiles. Blocos pequenos, são pequenos demais para conseguirem algum recurso.

É hora de rever esse modelo. Sem dinheiro, nem que seja só para pagar a água dos músicos, não há como botar o bloco na rua.

O Wagner Fernandes, do Timoneiros da Viola, de Madureira, que leva milhares de pessoas a cruzarem a cidade desde a Zona Sul e Centro para se juntarem à bela festa que tem o Paulinho da Viola como padrinho, defende que os blocos não podem se humilhar frente aos detentores eventuais dos direitos financeiros e alerta: “Ou a gente para e discute isso com seriedade ou o carnaval de rua vai acabar.” A muitos blocos na negociação com a cervejaria dona do carnaval, foi oferecido o produto (latinhas), para que vendessem e ficassem com o valor do comércio. Não pode ser assim. Não é função do bloco ser vendedor de cerveja.

Discutir com seriedade pressupõe ouvidos abertos de todos os envolvidos. Não pode ser à base da porrada, como várias vezes ocorreu no último carnaval, quando a guarda municipal, paga com impostos de toda a população, esteve a serviço da preservação da exclusividade de mercado para a cerveja patrocinadora e bateu à vontade, jogou gás de pimenta e apreendeu produtos dos poucos ambulantes que se arriscaram a oferecer alguma opção além da azul para quem queria uma cervejinha.

Meia dúzia de banheiros químicos espalhados pela cidade não é uma contrapartida suficiente para quem se arvora de dona das ruas. Os blocos querem mais. A população e a cidade precisam de mais.

Os blocos querem o direito de buscar patrocínios onde quer que eles estejam e que sejam compatíveis com a festa. Se alguma outra cervejaria, fabricante de refrigerantes, suco, água, seja o que for, quer patrocinar, que possa, junto com o patrocínio, também comercializar seu produto. Caso contrário, não há atratividade, os recursos não veem e os blocos … não se sabe.

Texto de Ivan Accioly,jornalista e diretor do bloco Imprensa Que Eu Gamo.

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